Institut Pasteur de São Paulo

Pesquisa aponta novos caminhos para vacinas mais duradouras contra a Covid-19

Pesquisa aponta novos caminhos para vacinas mais duradouras contra a Covid-19


 

Cientistas do Institut Pasteur de São Paulo destacam a necessidade de incluir novos alvos no desenvolvimento de vacinas e avançam nos testes de uma plataforma baseada na BCG para combater variantes do coronavírus.

Um artigo publicado na revista Pathogens por pesquisadores do Institut Pasteur de São Paulo (IPSP), Universidade de São Paulo (USP) e Instituto Butantan faz um balanço dos avanços na vacinação contra a Covid-19 e discute estratégias futuras para aumentar a eficácia das vacinas frente às novas variantes do vírus. A revisão, liderada pelo pesquisador Fábio Mambelli, é coordenada por Sergio Costa Oliveira, líder do grupo de pesquisa em Vacinologia do IPSP e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Segundo Oliveira, embora as vacinas atuais tenham reduzido significativamente os casos graves da doença, a emergência constante de novas variantes impõe desafios que demandam soluções inovadoras.

“As vacinas que temos hoje ainda são eficazes contra as variantes em circulação, mas o vírus continuará evoluindo e se adaptando”, explica Mambelli, que atua no IPSP. “Isso significa que precisaremos de vacinas cada vez mais robustas, capazes de induzir resposta imunológica mais duradoura e menos suscetíveis às mutações da proteína Spike, que é o principal alvo das vacinas atuais”.

O desafio das novas variantes e a necessidade de uma abordagem ampliada

O estudo destaca que, desde o início da pandemia, diversas vacinas foram desenvolvidas com rapidez, utilizando diferentes plataformas tecnológicas. No entanto, a evolução do SARS-CoV-2 resultou no surgimento de variantes que conseguiram escapar, ao menos parcialmente, à imunidade induzida pelas vacinas disponíveis. A variante Ômicron (B.1.1.529), identificada pela primeira vez em novembro de 2021, apresentou mais de 30 mutações na sequência da proteína Spike, favorecendo escape imunológico. Essas mutações tornaram a variante significativamente diferente da cepa original de Wuhan, aumentando sua transmissibilidade e reduzindo a eficácia das vacinas baseadas na Spike.

A revisão indica que a dependência excessiva da proteína Spike como alvo imunogênico principal pode ser um fator limitante na eficácia a longo prazo das formulações atuais. Estudos demonstraram uma redução significativa na neutralização por anticorpos induzidos por vacinas contra variantes da Ômicron em comparação com a cepa original. Isso levou a um aumento de infecções em indivíduos vacinados e à necessidade de reforços frequentes. Além disso, subvariantes como BA.2, BA.4, BA.5 e XBB continuaram a acumular mutações novas na Spike, reforçando a necessidade de adaptação constante das vacinas.

O estudo também destaca que a eficácia das vacinas varia entre as diferentes plataformas utilizadas. Vacinas de mRNA, como BNT162b2 (Pfizer-BioNTech) e mRNA-1273 (Moderna), apresentaram as maiores taxas de proteção no início da pandemia, com cerca de 95% e 94%, respectivamente. No entanto, todas as vacinas analisadas apresentaram redução significativa na resposta imunológica ao longo do tempo, com queda expressiva dos níveis de anticorpos cerca de seis meses após a vacinação. Esse declínio reforçou a necessidade de doses de reforço regulares para manter a proteção contra o SARS-CoV-2.

Além disso, o estudo destaca que a resposta vacinal pode ser comprometida em indivíduos idosos e imunossuprimidos devido à imunossenescência, o envelhecimento do sistema imunológico. Esse fenômeno reduz a capacidade de produção de anticorpos e a eficácia da proteção vacinal, tornando ainda mais necessária a busca por estratégias adaptadas a esses grupos, como adjuvantes específicos ou formulações que gerem uma resposta imune mais ampla e duradoura.

“O ideal é que futuras vacinas combinem múltiplos alvos do vírus, incluindo a proteína Nucleocapsídeo, que é mais estável e conservada, apresentando menos variações entre diferentes linhagens do vírus”, afirma o professor Oliveira. “Isso ajudaria a criar uma resposta imune mais ampla e duradoura frente às variantes de preocupação”.

A BCG como plataforma para uma vacina inovadora

Uma das abordagens promissoras apontadas na revisão é o uso da vacina BCG como vetor para antígenos selecionados do SARS-CoV-2. Essa estratégia, que está sendo desenvolvida no Instituto de Ciências Biomédicas da USP em parceria com o Institut Pasteur de São Paulo e outras instituições, combina a capacidade da BCG de estimular o sistema imunológico inato com a indução de uma resposta específica contra o coronavírus.

“A BCG modificada geneticamente expressa uma proteína quimérica que combina antígenos do SARS-CoV-2, incluindo a proteína Spike e a proteína Nucleocapsídeo”, explica Oliveira. “Nos testes realizados em camundongos, observamos uma proteção robusta contra o vírus, sem sinais detectáveis de infecção nos pulmões dos animais vacinados”.

Os experimentos indicam que a vacina BCG recombinante não apenas induz a produção de anticorpos neutralizantes, mas também ativa uma resposta imune celular mais ampla, algo fundamental para a eliminação do vírus. Além disso, como a proteína Nucleocapsídeo é mais estável e menos suscetível a mutações do que a Spike, essa abordagem pode conferir proteção mais duradoura e reduzir a necessidade de atualização frequente das vacinas.

Atualmente, essa pesquisa está na fase de otimização e ajustes técnicos, com os testes sendo realizados em laboratórios de biossegurança nível 3 no Institut Pasteur de São Paulo. A próxima etapa prevê estudos mais avançados para avaliar a eficácia da vacina contra as variantes mais atuais do SARS-CoV-2.

O artigo também aponta que vacinas de mucosas administradas por via intranasal podem representar uma alternativa promissora para futuras formulações. Essa abordagem estimula a resposta imunológica diretamente nas vias respiratórias, que representa a porta de entrada para infecção pelo SARS-CoV-2, podendo reduzir a transmissão do vírus e conferir uma imunidade mais eficiente contra novas variantes.

“A inclusão da proteína Nucleocapsídeo na formulação é um dos diferenciais dessa abordagem, pois a N é mais conservada entre variantes, garantindo maior estabilidade da resposta imunológica e reduzindo a necessidade de reformulações constantes das vacinas”, destaca Oliveira.

“As vacinas atuais foram um grande sucesso no controle da pandemia, mas precisamos continuar inovando para garantir uma proteção efetiva e duradoura contra a Covid-19”, conclui Oliveira.

O estudo, intitulado An Update on Anti-COVID-19 Vaccines and the Challenges to Protect Against New SARS-CoV-2 Variants, pode ser acessado na íntegra pelo link: https://doi.org/10.3390/pathogens14010023.