Projetos de pesquisa liderados por Helder Nakaya incluem ferramentas para prever epidemias, integrar bases de dados e diagnosticar doenças com scanners portáteis.
Durante um seminário realizado no último dia 18/09 no Institut Pasteur de São Paulo (IPSP), o professor Helder Nakaya, coordenador do grupo de pesquisa de Biologia Integrativa do IPSP, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein, apresentou diversas inovações com uso de Inteligência Artificial (IA) que foram desenvolvidas por seu grupo de pesquisa ou em parceria com outros.
Líder no campo da biologia computacional e sistemas, Nakaya apresentou soluções – algumas com propostas disruptivas – para o monitoramento de doenças infecciosas e o diagnóstico médico. O evento do IPSP integrou as atividades da Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica 2024, que aconteceu de 16 a 20 de setembro, com organização da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o Consulado-Geral da França em São Paulo.
“Uma ferramenta capaz de prever a próxima epidemia?
Com IA, isso já é realidade.”
Imagine uma ferramenta de IA capaz de prever a próxima epidemia antes que ela comece a se espalhar, usando apenas dados de buscas na internet. Nakaya contou que sua equipe utilizou essa ferramenta para a pandemia de Covid-19, observando que, conforme as pessoas começavam a buscar informações sobre a doença no Google, o aumento de casos nas semanas seguintes seguia a tendência de buscas. A ferramenta foi aplicada a várias regiões, como São Paulo, Carolina do Sul (EUA) e Índia, e apresentou uma correlação consistente entre as buscas e o aumento nos casos.
A mesma técnica foi aplicada para monitorar surtos de dengue em estados brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, demonstrando que esse método funciona também para doenças recorrentes. “É uma forma barata e eficaz de vigilância epidemiológica, permitindo que gestores de saúde possam adotar medidas preventivas antecipadamente e conter a propagação de doenças infecciosas em diferentes regiões”, afirmou.
Em outro projeto, dados de localização de celulares foram usados para mapear a propagação de doenças. Ele detalhou que sua equipe utilizou dados de localização para identificar hotspots de transmissão de malária que não haviam sido identificados por métodos tradicionais de monitoramento.
“É possível visualizar a evolução de um surto em tempo real,
como em um mapa interativo, direto na tela do seu computador.”
Outro projeto de destaque é uma plataforma que possibilita visualizar o avanço de surtos em tempo real usando dados geográficos. Nakaya explicou que a ferramenta tem uma interface semelhante ao Google Maps, facilitando a visualização, de forma simples e intuitiva. A plataforma permite que gestores de saúde insiram dados de latitude, longitude, datas e número de casos, gerando uma animação que mostra a propagação da doença ao longo do tempo e do espaço. É possível ainda alterar cores para representar diferentes variáveis, como casos confirmados, óbitos ou vacinas aplicadas.
“Com a integração de bases de dados descentralizadas,
gestores de saúde poderão tomar decisões mais ágeis e seguras.”
Além do monitoramento de epidemias, os dados de saúde foram usados para outra inovação. A equipe de Nakaya desenvolveu uma tecnologia que possibilitaria integrar bases de dados do SUS, que hoje são descentralizadas. Além de cruzar informações de diferentes bases, como registros hospitalares e de vacinação, os algoritmos superam erros de digitação, dados faltantes e redundância de informação. “Nosso software faz essa integração de forma segura e eficiente, sem implicar em exposição de dados sensíveis”, destacou Nakaya.
A tecnologia foi testada com sucesso, demonstrando que ela pode rodar em um laptop comum e em poucas horas, enquanto os métodos tradicionais demoravam dias e requeriam supercomputadores. Segundo Nakaya, o sistema permitiria que gestores de saúde tivessem acesso a dados mais completos e confiáveis, algo fundamental para a tomada de decisões em políticas públicas de saúde.
“Tecnologia que transforma dados médicos não estruturados
em informações úteis e acessíveis? Já está em desenvolvimento.”
Além disso, Nakaya apresentou uma ferramenta que aplica IA para estruturar e organizar informações contidas em prontuários médicos, como diagnósticos e exames. Hoje, há uma grande quantidade de informações registradas em consultas médicas, muitas vezes em texto livre, que são difíceis de serem utilizadas devido a abreviações, erros de digitação e falta de estruturação. A IA pode resolver esse problema ao ler esses textos e estruturá-los de forma que possam ser utilizados para vigilância de surtos, acompanhamento de casos e até preenchimento automático de formulários. Tudo sem exposição de dados sensíveis dos pacientes.
“Transformar dados de expressão genética em imagens visuais
é o futuro da detecção precoce de doenças complexas.”
No campo dos diagnósticos, Nakaya apresentou diversas abordagens inovadoras do uso de IA. Uma delas transforma dados de expressão genética em imagens visuais. A aplicação de redes neurais para classificar essas imagens permite à IA identificar padrões associados a condições complexas de saúde, como câncer ou infecções.
Essa técnica potencializa a força das redes neurais para detectar biomarcadores de doenças de maneira visual, facilitando a detecção precoce. “O objetivo do projeto é melhorar a capacidade de detecção de doenças e tornar essa tecnologia acessível para uma ampla gama de aplicações médicas”.
“Um scanner portátil de IA para diagnosticar leishmaniose em áreas remotas pode mudar a realidade do atendimento em regiões carentes.”
Outro projeto faz uso de IA para a análise de imagens de lesões de pele, auxiliando no diagnóstico de leishmaniose, uma doença comum em áreas rurais do Brasil. Com o uso de redes neurais, a tecnologia classifica as lesões de maneira rápida e precisa. O objetivo final do projeto é desenvolver scanners portáteis. Esses dispositivos poderiam analisar as imagens de pele e fornecer diagnósticos em tempo real, sem a necessidade de especialistas ou infraestruturas complexas. A ferramenta seria particularmente útil em áreas onde a presença de médicos treinados é limitada, ampliando o acesso ao diagnóstico de leishmaniose e outras doenças.
“A IA pode transformar uma simples imagem de raio-X em uma
representação 3D, como alternativa na falta de ressonância.”
Outro projeto é a aplicação de IA para transformar imagens de raio X bidimensionais (2D) em representações tridimensionais (3D), similar às obtidas por tomografias computadorizadas. Essa tecnologia é especialmente útil em regiões remotas ou com menos recursos, onde tomografias não estão disponíveis, aprimorando a qualidade das imagens de raio X e permitindo diagnósticos mais precisos sem a necessidade de encaminhar pacientes para exames mais avançados.
“Equidade na IA é fundamental para garantir que inovações beneficiem
todas as populações, sem discriminação.”
Nakaya também destacou a importância da equidade e universalidade no uso de IA na saúde. Ele alertou que o treinamento de modelos de IA predominantemente com dados de uma parte da população, como pessoas de ascendência caucasiana, por exemplo, pode criar ferramentas que favoreçam apenas esse grupo. Ele enfatizou que o Brasil, com sua enorme diversidade, é o ambiente ideal para desenvolver algoritmos que representem adequadamente toda a população, garantindo que as inovações tecnológicas sejam acessíveis e benéficas a todos, sem discriminação.
“O DataSUS é uma mina de ouro de informações que pode
impulsionar a saúde pública no Brasil com o uso de IA.”
Se “informação for o novo petróleo”, o pesquisador ressaltou que o DataSUS representaria um verdadeiro “pré-sal” de informações de saúde no Brasil, com mais de 30 anos de dados acumulados sobre a população brasileira. Esse vasto repositório de dados oferece um potencial imenso para o desenvolvimento de tecnologias de IA voltadas para a saúde pública. No entanto, ele destacou a importância de utilizar bem esses dados, garantindo a integração das bases, eliminando redundâncias e assegurando que o Brasil desenvolva suas próprias soluções tecnológicas, em vez de depender de modelos externos que podem não refletir adequadamente a diversidade da população brasileira.